Du Cambusano

João Baptista Cambusano Filho – “Du”

Não adianta falar o nome de batismo, tem que ser apresentado como Du Cambusano para que todos saibam que João Baptista Cambusano Filho carregava o nome do pai, assim como carregou o ofício que aprendera ainda pequeno. Um homem cuja simplicidade e bondade o tornava simplesmente incrível.

Nascido numa segunda-feira, 24 de junho de 1929, dia de São João, Du foi o terceiro filho do casal João e Joanna. Nasceu ali mesmo, na casa da família, então na rua Dr. Pompílio Mercadante, nº 68, uma vez que a mãe tinha habilidades de parto que garantiram o nascimento de muitas crianças em Jacareí.

Du demorou a falar. Dizem que somente aos sete anos aprendeu suas primeiras palavras. Até então, tudo o que dizia era “du”, e daí veio o apelido. Escola não era prioridade para uma família simples, naquela época, e assim Du estudou somente até a 4ª série do ensino fundamental (atual 5º ano). Em vez disso, a prioridade era o aprendizado de um ofício, o que garantiria mais renda para a família.

E assim foi: o velho João Baptista passava ao filho a arte de fotografar, de revelar o filme usando misturas químicas precisamente medidas na balança, a ampliar a foto no tempo certo, passando do revelador para o fixador sem perder o foco ou deixar a imagem nem sub nem superexposta, e a anteder aos clientes que tradicionalmente escolhiam o Estúdio Cambusano. Esse conhecimento iria ser transmitido mais tarde para os irmãos Mir e Hélio, que levariam adiante, com Du, a empresa fundada pelo pai.

Durante a adolescência, Du trabalhou dois anos em uma malharia, até chegar o momento de servir o Tiro de Guerra. Foi naquela época que comprou sua bicicleta Humber preta, companheira pelo resto da vida. Há controvérsia sobre a data da bicicleta – ele achava que se tratava de uma marca alemã e um modelo 1949. Porém, a Humber é uma companhia inglesa, e há quem diga que o quadro é de um modelo 1939.

Assim como os irmãos, Du era muito ligado ao futebol. Desde pequeno, gostava de jogar bola, e, ao longo dos anos, começou a treinar em campos de várzea e depois em jogos amadores, contribuindo para a fundação de vários deles, tais como o Clube Atlético Boa Vontade e o Liberdade Futebol Clube.

Corintiano, espalhava bandeiras pela casa e usava a vitrola para tocar o hino do time, a cada jogo. Como não era tão bom jogador (pelo menos na opinião dos irmãos), arbitrava jogos aos domingos e em alguns dias da semana. Tinha uma coleção de impecáveis chuteiras em casa.

No Esporte Clube Elvira, treinava no time reserva, jogando na lateral direita ou como quarto zagueiro. Viu os irmãos Nyzio e Hélio levarem o Clube ao título de campeão da Terceira Divisão Paulista em 1956, mas não participou dos jogos porque estava com o joelho machucado.

Foi na primavera de 1956 que se casou com Nely Válio, num sábado, dia 22 de setembro, data de aniversário da mãe dela, Olívia. O casamento aconteceu na igreja Matriz. A sobrinha Roseny Cambusano entrou como dama de honra, e uma modesta recepção foi feita na casa de dona Olívia.

O encontro de Du e Nely, antes do namoro, era constante: a família Válio morava no Jardim Liberdade, onde havia um campo no qual Du jogava futebol. Ela ficava por ali, assistindo ao jogo, e se fazia de gandula ou buscava água para os jogadores.

Por sua vez, Du morava próximo à praça Conde de Frontin, onde Nely ia diariamente vender pipoca num carrinho no qual estava escrito “Pipocas Válio”. Desde criança, Nely era arrumada pela mãe, Olívia, com vestido rodado, tamanco de madeira e um grande laço no cabelo, para ir até a praça vender pipoca. Ela detestava aquele figurino, mas nada impedia a mãe de produzi-la assim, até o início da adolescência.

Depois de dois anos de casados, Nely engravidou da primeira filha, Maria Cristina. Mas, naquele ano, 1958, uma triste notícia abalou a todos: João Baptista, o patriarca, não resistiu a uma doença crônica do pulmão e morreu, às vésperas do ano novo, dia 29 de dezembro. Assim, aos 29 anos, Du ficaria órfão de pai e assumiria, com os irmãos Hélio e Mir, os negócios do Estúdio Cambusano.

Du e Nely moravam, na época, em uma pequena casa na rua Salvador Preto, nº 117, que tinha uma sala, um quarto, uma cozinha e um banheiro. Na frente do terreno, havia um quartinho lateral, onde Nely se dedicava a outra profissão, cabelereira, para ajudar no orçamento do lar.

Essa renda extra garantiu ao casal a compra de outra casa na mesma rua, de número 92. Nely planejava ampliar o imóvel para abrigar a família, que crescia: João Baptista Neto, o Butuca, nascia em 1960; Amarildo, o Amaral, em 1963, e Cláudio José, em 1964. Com as crianças para cuidar, tarefas domésticas a fazer e o trabalho no salão, era natural que Nely precisasse de ajuda, e assim, no Natal de 1963, Marilene Renci, a Marlene, foi chamada para trabalhar como governanta.

Marilene nasceu em 19 de junho de 1951 em Oriente, distrito de Marília (SP). Quando estava com quatro meses, foi levada para o Educandário de Jacareí com dois irmãos, Ezequiel e Alcides, porque o pai estava com problemas de saúde e precisaria de tratamento. Morava ali quando foi convidada para trabalhar numa casa de família.

“Aos 12 anos eu fui trabalhar na casa do Du, porque era normal as pessoas trabalharem nessa idade. Naquela época, ele morava no Cassununga. Era 26 de dezembro de 1963, a Nely estava grávida do Cláudio, e o Amaral tinha oito meses. Era Natal, e a gente ganhou uma sacolinha para colocar os presentes, que era castanha, noz, figo, essas coisas. No começo eu tive um pouco de medo, era uma casa pequena, que tinha um quartinho onde a Nely trabalhava de cabeleireira. Todo mundo dormia num quarto só, Maria Cristina, João, Amaral, Du e Nely.

As irmãs da Nely moravam perto: a Célia, na casa ao lado. A Doroty e a Geny moravam no Jardim Liberdade. A Nely trabalhava o dia todo, e eu cuidava das crianças, até aprender a cozinhar. Até então, a única coisa que eu sabia fazer era gelo com açúcar [risos]. Eu morei um ano no Lar das Moças [onde hoje é o EducaMais São João], e às vezes levava as crianças para passear por lá.

Lembro de uma vez que eu fugi, porque queria voltar para o Educandário. Eu estava com saudade de lá, porque todo dia tinha pão, coalhada, bolo, café com leite. Mas o seu Vitoriano me levou de volta para a casa do Du, me puxando pela orelha”, contou Marlene, em entrevista feita em 2006.

Apesar desse episódio, nada na família fazia com que Marlene quisesse ir embora daquela casa: ela ganhava roupa, livros e cadernos, e passeava junto quando iam ao cinema ou para onde fossem. Quando ela estava na quarta série, um irmão, Milton, saiu de São Paulo para buscá-la.

“O Du mostrou para ele um documento, provando que era responsável por mim. Eu não conhecia minha mãe, e o Milton ia me levar para conhecê-la. Quando chegamos lá, ela tinha ido embora. Ela viu uma foto minha e ficou com vergonha, porque ela era negra, e eu não. Ela teve medo da minha reação, pois meus irmãos são pardos. Eu fiquei sabendo pelo meu pai que ela morreu bem depois”, contou Marlene.

Ao ver Milton, um homem negro, dizendo que era irmão de Marlene e iria levá-la embora, Du ficou em dúvida e com receio. No entanto, Milton estava reencontrando os irmãos e oferecendo ajuda a eles, proporcionando escola e emprego. Ainda assim, ela preferiu continuar morando com Du e Nely, para cuidar das crianças.

Em 1966, quando nasceu a filha Fernanda, Nely e Du resolveram que era hora de mudar de casa. As cinco crianças dormiam no quarto do casal, e eles tinham que ir para uma casa maior. Com a mudança, a casa anterior foi alugada, e o projeto de reforma da nova casa, feito por Nely, começou a sair do papel. A obra foi feita pelo seu Neco, marido da dona Jandira, todos moradores do Cassununga.

Até então, a casa era dividida assim: na entrada, ao lado esquerdo, ficava o salão de cabeleireiro. No lado direito, havia um quarto, onde dormiam Marilene, Amaral, Maria Cristina, Cláudio e João Butuca. Depois havia um banheiro, o quarto do casal, onde ficava também a pequena Fernanda. Em seguida vinha a copa, a cozinha e uma área de serviço. No quintal, pés de maçã, uvaia, fruta-do-conde, caqui, jabuticaba, manga, ameixa e abacate. A época de frutas também era de fartura: Du enchia sacolas e as distribuía para os irmãos.

Muito católico, Du ia às missas na Igreja Bonsucesso aos domingos de manhã com a família – mais tarde, passou a frequentar a Igreja do Carmo. Era congregado mariano e ajudava recolhendo dízimo ou entregando hóstia. Depois do compromisso dominical, eles paravam na Sorveteria Leal, onde Du tomava um cafezinho e pão com queijo branco. Outras vezes, ia até a pastelaria da praça, comer quibe ou cachorro-quente, ou até mesmo na Padaria Auxiliadora, onde não faltava um cafezinho.

No final do dia, na volta para casa, Du parava no bar do Luiz Gordo, na rua João Américo, onde batia um papo com amigos e bebia um gole de cachaça. Às vezes, quando ele se empolgava e ficava um tempo a mais, Nely aparecia para chamá-lo à responsabilidade. Mas isso não significava falta de afeto: sempre levava doces para as crianças – maria-mole, paçoca, suspiro colorido, gibi e tantos outros que faziam a alegria dos filhos e alimentavam a afeição e o carinho.

Colecionava discos de 78 rotações, que eram grandes e pesados, e gostava de músicas italianas e melodias clássicas, mas também de artistas nacionais, como Nelson Gonçalves e Ângela Maria. Sonhava conhecer o cineasta Amácio Mazzaropi, pois se divertia muito com aqueles filmes, assim como gostava de assistir aos bangue-bangues italianos e aos desenhos de Tom & Jerry e Pica-Pau.

Sempre incentivou os filhos à prática do esporte. Atleta inato, gostava de treinar na barra, pedalava diariamente, jogava futebol e comia sem excessos. Apesar de haver muitas fotos de Du com cigarros e charutos, ele não tinha vício de fumo ou de bebida, apesar da pinguinha sagrada antes do almoço. Também não era de falar palavrões, mesmo nos jogos nos quais apitava.

Du andava sempre alinhado, de calça social e camisa, e carregava no bolso um pente para ajeitar os cabelos negros e oleosos. Usava um creme chamado Trim para o cabelo, e algumas vezes passava caldo de limão, para conter a oleosidade.

Frequentava bailes, mas não era de dança: gostava mesmo de um bom jogo de cartas, hábito que levou para dentro de casa e que justificava a reunião de amigos e familiares.

Como todo italiano, e como a maior parte dos descendentes de italiano, falava gesticulando, e quando contava uma história, montava um cenário na mesa, para ilustrar. Nos dias de chuva, fazia barquinhos de papel para cada filho brincar, e no Estúdio, montava espadas com rolo de filmes, o que se tornou brinquedo dos filhos e, mais tarde, dos netos.

Em 1969, Nely engravidou pela sexta vez. Mas o estado de saúde dela não era bom: como tinha hábito de fumar de um a dois maços de cigarro Continental diariamente, o pulmão já apresentava sinais de enfermidade. Para fortalecer o corpo, ela tomava gemada preparada pela sogra, dona Joanna.

Assim como no parto da primeira filha, Maria Cristina, Nely queria que o nascimento de Cláudia fosse por cesariana. Quem conta a história é Marlene:

“Quando ficou grávida da Cláudia, Nely queria fazer cesariana e pagou consulta para o doutor Celso Prado. O Du a levou para o hospital, e quem ia fazer o parto era o doutor Carlos Carderelli. Após o parto, Nely fugiu do hospital, porque soube que a Fernanda estava com febre. Ela saiu sem ordem médica. Ela estava fraca e já tinha problemas de respiração.”

Essa fuga do hospital aconteceu logo após o parto da filha Cláudia, no final do mês de junho, época de inverno. Sem respeitar o pós-operatório e com o pulmão em estado bastante delicado, Nely não resistiu e morreu uma semana depois do parto, em 28 de junho, com um quadro de pneumonia dupla, deixando viúvo Du e órfãos os seis filhos.

A casa da rua Salvador Preto estava pronta para a reforma. Ali, dormiam as crianças, e foi Marlene quem as acordou para dar a trágica notícia. O velório aconteceu na casa de Olívia, mãe de Nely, no Jardim Liberdade. Du se viu na difícil decisão de cuidar, sozinho, dos filhos. De início, contou com a ajuda dos irmãos: Maria Cristina foi morar na casa de Hélio, e as demais, na casa da cunhada Geny, no Cassununga. Contou, ainda, com a ajuda da mãe, Joanna, e Marlene, a governanta que cuidava das crianças. Partiu de Joanna a inciativa de juntar a família, e, assim, todos foram morar na casa dela, onde funcionava o Estúdio.

Naquele período conturbado, muita coisa aconteceu: as crianças precisavam de atenção, e Marlene foi vítima de boatos de que ela estaria se relacionando com Du. Com isso, o pai dela foi para Jacareí, na tentativa de levá-la embora. Marlene estava arrumando as malas, chorando, e Joanna chorava junto, quando Du chegou. Ele pediu que ela ficasse, porque precisava de ajuda para cuidar das crianças.

Era dia de aniversário de três anos da Fernanda, e Joanna havia feito bolo para comemorar. Ao se sentir envolvida com aquela cena, Marlene tomou uma decisão que mudaria definitivamente a vida de todos eles: ficou com a família, e no ano seguinte se tornaria a madrasta das crianças.

Nos oito meses seguintes à morte de Nely, prosseguia a reforma projetada por ela na casa da rua Salvador Preto. O imóvel passou a ter três quartos, uma ampla sala, copa, cozinha, banheiro, área de serviço e o privilegiado quintal com árvores frutíferas.

A vida prosseguia, e Du retomou a rotina. Ele treinava o time feminino do Elvira e conheceu uma mulher, Luci, com quem começou a namorar e até mesmo pensou em casamento, mas dona Joanna foi contra a ideia, que acabou não prosperando.

O trabalho, no Estúdio, era próspero. A família tinha ganhado respeito e era contratada para fotografar – ou, falando conforme eles, para “fazer reportagem” –eventos, batizados, casamentos e festas.

Durante três anos, a empresa publicou anúncios nos jornais locais, o que demonstra o prestígio que tinha na cidade. Autoridades que passavam por Jacareí eram fotografadas ali. Na época, as pessoas tinham o hábito de fotografar mortos, no caixão, com os parentes, para guardar como última ou única recordação do finado. Brincalhão, Du posicionava a câmera e dizia: “não pisque”, ou “sorria”, numa forma de descontrair os familiares.

Em casa, com Marlene cuidando das crianças, o relacionamento foi se estreitando. Se, no início, ela achava que Du se parecia com Mazzaropi – e achava isso cômico –, a convivência foi revelando afeto e amor entre os dois. Assim, em 25 de julho de 1970, com a bênção de dona Joanna, eles se casaram na igreja, e em 6 de agosto, no Cartório.

A sobrinha Sandra foi dama de honra. Após a cerimônia, eles seguiram em lua de mel para Aparecida, num Aero Willys de um dos padrinhos, Geraldo, comendo pastel e tomando garapa. As crianças ficaram sob o cuidado de dona Joanna.

A vida retornava à rotina, mas as crianças apresentavam sinais de abalo provocado pela perda da mãe. Enquanto Du se dividia entre o Estúdio e o futebol, Marlene cuidava da casa e trabalhava na fábrica Irmãos Rustom, onde atualmente funciona o Promovale, das 17h às 23h.

“O Du ia nos bares, jogava dominó, baralho, ia apitar jogos nas Ligas de Futebol, depois tinha que apresentar as súmulas… Isso tudo era dinheiro a mais que ele ganhava, mas ele tinha que ser mais pai”, recorda-se Marlene.

Em abril de 1971, com o nascimento do filho Fernando – o sétimo de Du e o primeiro de Marlene, eles perceberam a necessidade de mudar para uma casa maior, e assim, compraram um imóvel na rua Washington Luís, financiada em 240 meses.

Vizinha aos irmãos Hélio e Nyzio, a casa tinha um jardim de roseiras na frente, que era a paixão de Du. As crianças brincavam de esconde-esconde ali e, inevitavelmente, saíam machucadas pelos espinhos. Então, Maria Cristina e Cláudio tiveram a ideia de cortar a roseira. Quando chegou em casa e notou falta daquelas flores, Du ficou entristecido: de certa forma, aquela roseira tinha um significado especial para ele.

Também havia um significado especial a letra de uma música lançada por Roberto Carlos no ano da morte de Nely, “As flores do jardim da nossa casa”:

“As flores do jardim da nossa casa

Morreram todas de saudade de você

E as rosas que cobriam nossa estrada

Perderam a vontade de viver

Eu já não posso mais olhar nosso jardim

Lá não existem flores, tudo morreu pra mim…”

As lembranças proporcionadas por essa música emocionavam Du. Ele vinha de uma criação na qual aprendera que a criança tinha que crescer, trabalhar, casar e se mudar. Por isso, nunca conversou com filhos sobre sentimentos.

Também não conversava sobre estudos, futuro e profissão. Mas isso não significa que não tivesse carinho e atenção para com os filhos: por mais simples que fosse, nos dias de aniversário, sempre havia um bolo Pullman na mesa, a família sempre se reunia para ir à missa aos domingos, para um almoço na casa de tios e avó, ou um banho de piscina, seja no Elvira ou no Trianon, durante o verão. Mas a função de educar ficou a cargo de Nely, e, posteriormente, Marlene.

Enquanto isso, no futebol, os irmãos Cambusano formaram um time de salão e eram notícias constantes nos jornais da cidade. Além do salão, disputavam campeonatos veteranos, e enquanto Mir, Nyzio e Hélio buscavam a bola, Du arbitrava, sempre com elogios por sua atuação imparcial.

“Ótima arbitragem do Du Cambusano auxiliado pelo bandeira Raimundo”, descreveu o jornal “O Combate”, em 3 de novembro de 1973, ao reportar a vitória dos veteranos do Elvira contra o Cruzeiro Futebol Clube.

“Aos 40 minutos o árbitro Du Cambusano expulsou Valtinho e Ademar por motivo de agressão e incentivo às brigas em campo”, narrou o Diário de Jacareí, em 9 de junho de 1983, sobre a disputa entre ADC Papel Simão contra o Norte-Sul.

Du era membro da Liga Municipal de Futebol e arbitrava campeonatos por toda a cidade. Ele se tornou conhecido e respeitado por essa atuação e foi eleito árbitro do ano de 1980.

Foi um ano de novidades, a propósito. Kilian, sua filha mais nova, nascia no dia 1º de janeiro, com direito a foto na capa de jornal, pois era a primeira criança nascida na década. A família recebia, ainda, o Chuchu, o cachorro favorito do Du e que viveu muitos anos ao lado deles.

Nos anos seguintes, o casal Du e Marlene foi parar na televisão. Em maio de 1987 eles participaram do programa “Tudo por dinheiro”, no SBT. Quem conta é Marlene:

“Toda quinta-feira tinha uma gincana. Um dia, o tema era ‘a empregada que casou com o patrão’. O Nysio nos levou para participar. Tinha três casais lá, e o casal mais bonito foi sorteado. A gente ganhou uma grana boa! Aí, a produção do programa foi em casa e filmou a gente para o quadro que foi ao ar no domingo.

Tivemos uma participação no programa ‘Cidade Contra Cidade’, e eu tinha que comer uma comida exótica. Decidiram que eu iria comer cobra [faz cara de nojo], mas não acharam cobra, e eu tive que comer bife de fígado cru e inhame com mentruz. Mesmo assim, Jacareí perdeu [o programa trazia uma competição entre duas cidades].

Participei também do ‘Almoço com as estrelas’ e ganhei um tapete da Tapeçaria Chic. No ‘Qual é a música?’, ganhei quatro vezes, mas, quando chegou na última música, que era do Jerry Adriane, deu branco, e eu perdi.”

No final da década de 1980, muitas mudanças marcariam o casal. Em 23 de novembro de 1987 morreria Joanna Boff, de insuficiência pulmonar. A morte de Joanna abalou a todos, e Du ficou baqueado. Aos 59 anos, ele queria deixar o Estúdio para os herdeiros, pois já estava cansado. Além disso, a forma como trabalhavam estava ultrapassada: o Estúdio revelava filmes preto e branco, não tinha recursos para investir em equipamentos de revelação a cores, e os concorrentes, já com essa tecnologia, iam aparecendo na cidade.

Em 1989, Du recebeu a proposta de trocar a casa onde morava por outra, na rua Luís Simon. Alguns dos filhos já tinham se casado, Marilene havia sido aprovada em concurso público para inspetora de alunos e trabalhava em escolas distantes da rua Washington Luís. A casa era localizada em morro, o que dificultava um pouco a vida de quem não tinha carro – como eles nunca tiveram.

E foi ali, na rua Luís Simon, para onde Du levou seus pertences após o fim do Estúdio. Em 1993, já aposentados, os irmãos decidiram dar fim ao negócio, afinal, não viram nos herdeiros a intenção de continuar com o Foto.

O fim do Estúdio implicou a venda da casa onde os irmãos cresceram. A casa foi derrubada para dar lugar a uma loja. Acabaram, assim, os almoços de domingo com a família reunida, as festas de aniversário, o cafezinho no fogão, as flores de Joanna, os filmes, fotos e equipamentos dos irmãos Cambusano.

Foi uma cena nostálgica, estampada, em agosto daquele ano, na capa do Diário de Jacareí. O jornal trouxe foto da família Cambusano e um artigo escrito por Benedicto Sérgio Lencioni, intitulado “Memória”. Nele, o historiador narrava que Jacareí perdera “seu mais antigo e tradicional ‘studio’ fotográfico”, fato que seria um “desses males sem conserto, uma agressão à história e cultura”. Em tom sentimental, BSL finalizou o texto: “Transeuntes anônimos passaram pela rua do Carmo [como era conhecida a rua Pompílio Mercadante] e sequer olharam. Nenhuma reportagem foi feita. Nenhuma foto foi batida. Nenhuma foto. Nenhuma.”

Como se não bastasse tudo isso, uma doença começava a se desenvolver em Du. Ele sentia muita dificuldade para urinar, inicialmente, por conta de infecção de urina, e procurou um especialista. Após examinado, ele teve que se submeter a uma cirurgia. Mas não foi suficiente.

Em 16 de janeiro de 1996, Du morreu, aos 66 anos, por complicações decorrentes do tumor, que crescera de forma exponencialmente em apenas três anos, durante os quais passou por quimioterapia, irradiações e internações. A causa da morte foi declarada como insuficiência respiratória e renal. Ele estava internado na Santa Casa, num quarto com vários pacientes, e a família tinha que se revezar para poder dizer as últimas palavras.

“No dia em que fui levá-lo para a Santa Casa [no sábado anterior ao dia da morte], ele estava um pouco verde e não queria beber nada. A Fernanda e o Cláudio estavam em Joinville (SC) procurando casa para morar, e a Cláudia não estava por aqui. Liguei para a Maria Cristina, que levou o pai para a Santa Casa. O médico disse: ‘ele não volta mais para casa’. Durante o dia, ele ficou no corredor, e à noite foi para o quarto.

O João Butuca entrava toda hora no hospital para ver o pai. Na segunda-feira, dia 15, 10h, Maria Cristina ligou, dizendo que o João havia falado com ela que o Du estava mal. O Amaral, coitado, queria levar o pai embora. E o Du dizia que queria soltar tudo o que estava dentro dele.

A Cláudia quis ficar ao lado do pai e não deixou que eu ficasse lá. A médica cortou o lugar onde estava a sonda, foi então que ele sentiu-se aliviado e faleceu.

O corpo foi velado na Igreja do Carmo, mas eu não tinha condição física de ir até lá. Tinha tanta gente, e estava tão quente, que o Marco Aurélio, então marido da Cláudia, saiu para buscar garrafões de água para o povo beber.

Nisso, algumas pessoas queriam que enterrassem ele com roupa de árbitro, mas não podia. Então, colocaram uma bandeirinha, o apito, um cartão vermelho e um amarelo junto dele.

Nas semanas e meses seguintes, eu ia correndo para casa depois do trabalho, porque estava acostumada com isso: eu ia depressa para ver o Du e cuidar dele. De repente, me dava conta de que não precisava mais disso e me perguntava: ‘por que estou correndo?’.

Ele sempre foi muito brincalhão, não levava nada a sério. Gostava de sair de braços dados comigo. Eu sinto muita falta dele. Agora que está tudo calmo aqui em casa, os filhos crescidos, ele poderia estar aqui para que pudéssemos aproveitar juntos”, contou Marlene, em 2006.

Como não podia deixar de ser, a morte de Du foi notícia dos jornais locais. O “Diário de Jacareí” noticiou, no dia 20, a manchete: “Du Cambusano é um dos símbolos da cidade”.

“O fotógrafo, jogador e árbitro de futebol, João Batista Cambusano Filho, conhecido por todos como Du, 66, morreu na última terça-feira (16), às 15h, de insuficiência respiratória e renal. Du era o terceiro dos sete filhos de uma tradicional família, que mora há muitos anos em Jacareí. Pai de Maria Cristina, Neto, Amaral, Cláudio, Fernanda, Cláudia, Fernando e Kilian, além dos nove netos que possuía, esse canceriano (24/6/1929) já havia se tornado tradição na cidade, onde jogou por diversos times: Liberdade Futebol Clube (do qual participou da fundação), Boa Vontade, Campo Grande, Esporte Clube Elvira e muitos outros figuravam na lista de Du, que também chegou a apitar centenas de partidas de futebol, tanto de campo como de salão.

Como fotógrafo, dedicou boa parte da vida a essa arte – mais de 45 anos – que aprendeu quando era pequeno, com o pai.

Uma curiosidade: João Batista Cambusano Filho começou a falar somente aos sete anos de idade. Até então, só balbuciava as sílabas “du, du”. É por isso que os amigos e parentes o apelidaram de Du.

Muito popular e querido pelos moradores de Jacareí, graças às duradouras amizades que conquistou, ao comércio de fotografia que o tornou conhecido dos jacareienses mais antigos da cidade e às partidas que participou, Du já se transformou num dos símbolos do município. Nesta segunda-feira, às 19h, acontecerá missa de sétimo dia na Igreja Bonsucesso.”

De certa forma, a cidade retribuiu, com gratidão, tudo o que Du representou para ela: o estádio municipal onde acontecem as partidas do JAC (Jacareí Atlético Clube) foi batizado com o nome Centro Esportivo Du Cambusano, assim como uma rua no Cecap – Conjunto São Benedito.

Muitos amigos que frequentavam sua casa, para jogar baralho, assistir ao futebol ou jogar conversa fora, começaram a deixar de ir. Marlene ficou com a responsabilidade da criação dos filhos – Kilian acabara de fazer 16 anos. Ficou no ar a saudade e as lembranças da bondade e simplicidade que ele deixou.

Marlene viveu mais 20 anos depois da morte do marido. Voltou a estudar, iniciou o curso de Letras na Univap, mas não levou ao fim. Depois que se aposentou, passou a frequentar e trabalhar como missionária da Igreja Salão do Reino das Testemunhas de Jeová. Sucumbiu a uma insuficiência cardíaca no dia 4 de abril de 2015, que a levou para a companhia de Du, Joanna, Nely, seus pais e tantos outros que haviam partido antes.